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A Aveia é boa para todo mundo?


Essa é a pergunta de um milhão de dólares! Mas como eu sempre respondo, a resposta é “depende”.


Mas como assim, depende?

Pois é, depende. No post de hoje vamos mergulhar a fundo no mundo da aveia, e porquê ela pode ser boa para algumas pessoas, e para outras, causar desconforto e até alergia.


Sei que muitas pessoas consomem aveia de diversas formas, em parte porque é um substituto fácil de encontrar e acessível quando se segue uma rotina alimentar sem glúten.


Se você me segue no Instagram, sabe que eu não tenho muitas receitas com aveia e também não uso no meu dia-a-dia, e isso porque tenho pessoas na minha família que não se dão bem com ela.

Mas em tese, todos podemos consumir aveia, porque ela é rica em nutrientes e fibras. Quando o selo "sem glúten" consta no pacote ou embalagem da aveia, isso significa que ela pode ser consumida com segurança por pessoas que estão seguindo uma rotina alimentar sem glúten. Algumas pessoas poderão tolerar melhor, quando a aveia é preparada de formas especiais (mais a frente falarei mais sobre isso).


Para quem a aveia pode ser problemática?


Pessoas com doença Celíaca

A doença Celíaca uma doença autoimune, em que as pessoas portadoras produzem anticorpos anti-α-gliadina e anti-tTG (que são detectáveis em exames de sangue padrão que testam a doença celíaca). É importante lembrar que estes anticorpos estão presentes apenas em pessoas com doença celíaca confirmada e não em pacientes com sensibilidade ao glúten não celíaca.


Quando você tem a doença Celíaca e come glúten, as suas células produzem anticorpos que “atacam” o glúten o tecido saudável que envolve o revestimento do intestino delgado. Acontecem também várias outras reações, como a liberação da zonulina, segundo o Dr Alessio Fasano [1] que é uma substância que “abre” as junções da parede epitelial do intestino e desregula a sua função, deixando o intestino “poroso” que exacerba ou leva a permeabilidade intestinal. Isso permite que micróbios, toxinas, proteínas e partículas de alimentos parcialmente digeridas passem entre a “cerca aberta”e escapem para a corrente sanguínea, circulando por todo o corpo. Como todas as toxinas, micróbios e partículas de alimentos, como glúten e alimentos com reação cruzada ao glúten, inundam sua corrente sanguínea, seu sistema imunológico os marca como invasores perigosos. A partir disso, um processo inflamatório se inicia, numa tentativa de se "livrar" destes invasores, e isso pode desencadear doenças autoimunes ou exacerbar/perpetuar os sintomas já existentes.


No caso do glúten, o sistema imunológico "marca" esta proteína como uma “invasora” e entrará em modo de defesa e ataque toda vez que esta proteína esteja presente no seu corpo. Infelizmente, este mesmo mecanismo pode acontecer com outros alimentos que contenham proteínas semelhantes à proteína do glúten (como a avenina, contida na aveia!). Isso é chamado de reatividade cruzada ao glúten.

A reatividade cruzada ao glúten pode acontecer com muitos alimentos, mas um estudo de 2017 sobre alimentos com reação cruzada [5] descobriu que os seguintes alimentos podem ser confundidos com glúten pelo sistema imunológico do corpo:

  • Aveia

  • Arroz

  • Milho

  • Laticínios (leite de vaca, chocolate ao leite, butirofilina de leite, proteína de soro de leite, caseína)

  • Café instantâneo

  • Levedura


Por isso que muitas vezes, apenas uma rotina alimentar sem glúten, caseína e soja pode não ser suficiente, para quem tem a doença Celíaca.

Os pesquisadores então, concluíram que se os pacientes celíacos que seguem uma dieta sem glúten não apresentarem melhora dos sintomas, eles precisariam eliminar potencialmente os alimentos com reação cruzada (a aveia inclusa). Explico melhor mais a frente, mas isso ajuda a entender porque a aveia pode ser problemática para as pessoas com doença Celíaca.

Pessoas com problemas gastrointestinais ou intestino irritável/sensível


A aveia é um alimento rico em fibras e pode ser difícil de digerir para algumas pessoas. Além disso, são ricas em amido resistente, e em frutanos e GOS, segundo a Universidade de Monash. Estes componentes podem causar distúrbios e sintomas gastrointestinais, especialmente se você já sofre de algum problema digestivo ou tem o intestino irritável e sensível.

Algumas pessoas mesmo na dieta FODMAP poderão consumir aveia sem problemas, dentro das porções estudadas e divulgadas pela Universidade de Monash (veja abaixo), mas ainda assim, algumas pessoas sentirão inchaço abdominal, gases, diarréia e outros sintomas.


Mesmo com as porções indicadas, é sempre importante observar a sua tolerância pessoal.

As porções "seguras" indicadas pela Universidade de Monash para pessoas na dieta FODMAP são:

  • 1/2 xícara de aveia em flocos (por porção)

  • 1/4 xícara de aveia rápida (por porção)

  • 1/2 xícara de farinha de aveia (por porção)


Outras pessoas que podem ter problemas digestivos ao ingerir a aveia, são aquelas que sofrem de refluxo ou Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). A aveia, como todos os grãos, é formadora de ácido, e se você é sensível a alimentos ácidos, pode ter sintomas digestivos.

Pessoas com alergia ou sensibilidade à aveia


A aveia contém uma proteína que se chama avenina, como já vimos, e existem pessoas que podem ser alérgicas ou sensíveis à esta proteína.

A alergia e a sensibilidade à aveia pode desencadear uma resposta do sistema imunológico, que resulta na formação de anticorpos que vão "atacar" essa substância, que foi marcada como "ameaça".

Algumas pessoas que têm sintomas depois de comer aveia podem não ser alérgicas necessariamente, mas podem ainda terem a doença Celíaca como já vimos antes, e podem ter sensibilidade ao glúten, mesmo não sendo celíacas. Da mesma forma, por causa dessa sensibilidade e da possibilidade de reação cruzada, o corpo pode reagir à proteína da aveia.


A alergia à aveia não é uma condição comum, mas pode acontecer em bebês, crianças e adultos.

A sensibilidade à aveia tem geralmente sintomas mais leves do que a alergia, e podem levar mais tempo para ocorrer (dias), mas que podem se tornar crônicos se existir o consumo repetido (todos os dias). Os sintomas são variados, mas os mais comuns são:

  • inchaço, irritação ou inflamação do estômago

  • diarréia

  • fadiga


Em bebês e crianças, a reação à aveia pode causar a Síndrome da enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES) - uma condição rara causada por ingestão de alimentos que causam inflamação do trato gastrointestinal.

FPIES é uma forma de alergia alimentar não mediada por IgE, que pode acontecer em bebês, crianças e adultos, em que vários outros alimentos além da aveia (como por exemplo o leite de vaca [2]) estão envolvidos no aparecimento desta condição.

Existe um estudo [3] que foi feito analisando pacientes de quatro hospitais nos Estados Unidos, em que se observou que as idades medianas de início e diagnóstico nos casos analisados foram de 6 e 9 meses de idade para bebês, e nos casos de FPIES adulto, entre 33 e 45 anos de idade, sendo que

idade de início em 88,2% dos casos de FPIES foi inferior a 2 anos.

Neste mesmo estudo, a aveia foi o alimento desencadeante da FPIES mais comum (34,5%) seguido do arroz (29,6%) e leite de vaca (19,2%).

FPIES aguda, a aveia ainda foi o gatilho mais comum observado.


A alergia à aveia pode também afetar a pele, não só o trato gastrointestinal. Um estudo de 2007 [4] feito em crianças com dermatite atópica descobriu que uma porcentagem significativa de bebês e crianças apresentavam reações alérgicas na pele a produtos contendo aveia, como cremes e loções.

Os adultos também podem ter reações na pele se forem alérgicos ou sensíveis à aveia.


Para entender melhor o processo de reatividade cruzada ao glúten e aveia


O processo de reatividade cruzada envolvendo a aveia é o mesmo conceito do fenômeno de mimetismo molecular que ocorre com o glúten. Em ambos os casos, o sistema imunológico "confunde" moléculas benignas como "invasoras" e começa a destruí-las. Se o corpo marca a proteína do glúten como invasora e a ataca, poderá também atacar a avenina, proteína da aveia, porque as duas são semelhantes em sua estrutura.

Além disso, a avenina também ativa as células T reativas ao glúten, podendo provocar uma reação do sistema imunológico.


Mas não são todas as pessoas que podem sofrer reações à aveia devido a reatividade cruzada. Existem estudos que descobriram que a aveia é tolerada in vitro em pacientes com doença Celíaca, o que mais uma vez, nos leva ao fato de que somos todos muito bioindividuais, e não há uma só regra para todos.


Existindo a reatividade cruzada, uma pessoa pode experimentar vários sintomas diferentes, mas comumente são observados:

  • Distúrbios gastrointestinais como dores, estufamento, gases, cólicas, diarréia ou constipação

  • Dores articulares

  • Dor de cabeça e enxaqueca

  • Fadiga

  • Distúrbios do sono

O que fazer então? Posso ou não consumir aveia?

Primeiro, é importante tentar descobrir se você tem um problema com a aveia ou não, porque como vimos, os estudos mostram diferentes resultados em diferentes pessoas.

Um bom ponto de partida é a observação.


Se você acredita que já está numa rotina alimentar adequada, ajustou o estilo de vida e ainda tem sintomas - e desconfia que alguma coisa que você esteja comendo regularmente pode estar causando problemas, tente identificar estes alimentos (sendo a aveia um deles), elimine a aveia por umas duas semanas e tente reintroduzir.

Se houver sintomas, você saberá que poderia ser o alimento evitado e reintroduzido. Observe também como você se sentiu durante o período da retirada.


Muitas vezes não é necessária a remoção do alimento problemático da sua rotina alimentar, mas consumir menos e/ou menores porções possa ser benéfico.

A tolerância à aveia e a outros alimentos é individual, ou seja será diferente para cada pessoa.

De acordo com os vários estudos realizados, podemos concluir que a tolerância à aveia pode variar, dependendo:

  • Do estado de saúde de cada pessoa (ter ou não permeabilidade intestinal influenciará muito)

  • Da quantidade ingerida

  • Da forma de preparo

  • Fonte/Tipo/ marca da aveia (existem algumas que pode ser mais imunogênicas que outras) - mas certifique-se que a aveia não contém glúten (através de selos/identificação no pacote)


Ter um diagnóstico claro da sua condição de saúde ajudará a determinar se você pode ou não consumir aveia e quanto. Vimos anteriormente que pessoas com doença Celíaca podem sofrer reatividade cruzada à aveia, provocando reações do sistema imunológico, e assim, produção de sintomas.


Você pode também efetuar testes de laboratório e verificar se tem problemas com alimentos com reação cruzada ao glúten, especialmente se continua reagindo a alimentos mesmo depois de ter eliminado o glúten da sua rotina alimentar. O teste de reatividade cruzada do glúten Cyrex Array 4 analisa os alimentos que podem causar reatividade cruzada com o glúten, mas infelizmente não está disponível no Brasil. Existem outros testes, como o Food Detective e Teste de Intolerância Alimentar a 221 alimentos.


Quais são as melhores formas de se consumir a aveia?


Sendo um grão, a aveia contém antinutrientes e lectinas, que em excesso podem ser inflamatórios ao nosso corpo. Combinar formas diferentes de preparar a aveia, e encontrar aquela que é melhor para você pode te ajudar a consumir a aveia de vez em quando, ou de acordo com a sua tolerância.


Veja abaixo algumas dicas de como tornar o consumo da aveia melhor:

  • Deixar de molho em água, trocando sempre a água e adicionando limão, ou vinagre acético de maçã ajudam a quebrar os antinutrientes contidos na aveia.

  • Cozinhar bem e não comer crua

  • Combinar com trigo sarraceno porque ele é rico em fitase e pode ajudar na digestão da aveia

  • Usar pouca quantidade (veja acima a tabela sugerida pela Universidade de Monash, se você tem problemas digestivos)

  • Se você tem problemas com alimentos ácidos, poderá combinar a aveia com leite de coco por exemplo, e adicionar frutas alcalinas como manga, mamão, ameixas porque podem ajudar na digestão.


Importante:


  • Apesar de pessoas com sensibilidade ao glúten não celíaca ou intolerância ao glúten testarem negativo para os autoanticorpos encontrados em pessoas com doença celíaca, e em tese, não apresentarem reatividade cruzada ao glúten, é importante ficar de olho em reações e sintomas, especialmente se há a presença de doenças autoimunes.


  • Sempre preste atenção aos sintomas que o seu corpo te mostra, porque pesquisas recentes mostraram que comer glúten, por exemplo, pode elevar seus anticorpos ao glúten por meses [6]. Portanto, mesmo que você consuma glúten apenas 3 ou 4 vezes por ano, pode ficar em estado de inflamação o ano todo. Até que a sua saúde intestinal esteja restaurada (e intestino permeável esteja curado), e sua inflamação tenha diminuído, é importante evitar alimentos com reação cruzada ao glúten - como aveia - porque seu sistema imunológico pode estar "confuso" e contribuir ainda mais para a inflamação.


  • Não remova nenhum alimento por tempo indefinido sem orientação profissional. Você pode experimentar remover temporariamente, por uma ou duas semanas, mas sempre busque reintroduzir. Se houver problemas ou sintomas, procure ajuda médica especializada para te ajudar a investigar as possíveis causas.


Se você tiver dúvidas ou comentários, entre em contato comigo. E até a próxima!





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